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Há 4 pontos em «Entrevistas a S. Josemaria» cujo tema é Aggiornamento.

Quereríamos começar esta entrevista com um problema que provoca em muitos espíritos as mais diversas interpretações. Referimo-nos ao tema do aggiornamento. Como entende, aplicado à vida da Igreja, o verdadeiro sentido desta palavra?

Fidelidade. Para mim, aggiornamento significa sobretudo isto: fidelidade. Um marido, um soldado, um administrador é sempre tanto melhor marido, tanto melhor soldado, tanto melhor administrador, quanto mais fielmente souber corresponder, em cada momento, perante cada nova circunstância da sua vida, aos firmes compromissos de amor e de justiça que um dia assumiu. A fidelidade delicada, operativa e constante - que é difícil, como é difícil qualquer aplicação de princípios à realidade mutável do que é contingente - é por isso a melhor defesa da pessoa contra a velhice de espírito, a aridez de coração e a anquilose mental.

O mesmo sucede na vida das instituições, muito especialmente na vida da Igreja, que obedece, não a um precário projecto do homem, mas a um desígnio de Deus. A Redenção, a salvação do mundo, é obra da fidelidade amorosa e filial de Jesus Cristo - e da nossa com Ele - à vontade do Pai celestial que O enviou. Por isso, o aggiornamento da Igreja - agora, como em qualquer outra época - é fundamentalmente isto: uma reafirmação jubilosa da fidelidade do Povo de Deus à missão recebida, ao Evangelho.

É claro que essa fidelidade - viva e actual perante cada circunstância da vida dos homens - pode requerer, e de facto tem requerido frequentemente na história duas vezes milenária da Igreja e recentemente no Concílio Vaticano II, oportunos desenvolvimentos doutrinais na exposição das riquezas do Depositum Fidei, assim como convenientes modificações e reformas que aperfeiçoam - no seu elemento humano, perfectível - as estruturas orgânicas e os métodos missionários e apostólicos. Mas seria pelo menos superficial pensar que o aggiornamento consiste primariamente em modificar, ou que qualquer modificação aggiorna. Basta pensar que não falta quem, à margem da doutrina conciliar e contra ela, também desejaria modificações que fariam retroceder em muitos séculos de história - pelo menos até à época feudal - o caminho progressivo do Povo de Deus.

Poderia descrever o desenvolvimento e a evolução do Opus Dei, tanto na sua natureza como nos seus objectivos, desde a fundação, durante um período que assistiu a tamanhas modificações dentro da própria Igreja?

Desde o primeiro momento, o único objectivo do Opus Dei foi o que acabo de lhe indicar: contribuir para que, no meio do mundo, haja homens e mulheres de todas as raças e condições sociais que procurem amar e servir a Deus e aos outros homens no seu trabalho habitual e através dele. No início da Obra, em 1928, o que eu defendi foi que a santidade não é coisa para privilegiados, pois podem ser divinos todos os caminhos da Terra, todos os estados de vida, todas as profissões, todas as tarefas honestas. As implicações dessa mensagem são muitas e a experiência da vida da Obra tem-me ajudado a conhecê-las cada vez mais profundamente e com mais riqueza de cambiantes.

A Obra nasceu pequena e foi crescendo normalmente, de maneira gradual e progressiva, como cresce um organismo vivo e como tudo o que se desenvolve na História. Mas o objectivo e razão de ser da Obra não mudou, nem mudará, por muito que possa mudar a sociedade, porque a mensagem do Opus Dei consiste em proclamar que qualquer trabalho honesto pode ser santificado, sejam quais forem as circunstâncias em que se processa.

Hoje, fazem parte da Obra pessoas de todas as profissões: não só médicos, advogados, engenheiros e artistas, mas também pedreiros, mineiros, camponeses; qualquer profissão - desde realizadores de cinema e pilotos de aviões de reacção, até cabeleireiros de alta moda.

Para os membros do Opus Dei, estar actualizado, compreender o mundo moderno, é uma coisa natural e instintiva, porque são eles - juntamente com os outros cidadãos, e tal como eles - quem faz nascer esse mundo e lhe dá a sua modernidade.

Se é este o espírito da nossa Obra, já vê como terá sido grande alegria para nós ouvir o Concílio declarar solenemente que a Igreja não repele o mundo em que vive, nem o seu progresso e desenvolvimento, antes o compreende e o ama. De resto, uma das características essenciais da espiritualidade que os membros da Obra se esforçam, desde há quase 40 anos, por viver, é justamente a consciência de que são, ao mesmo tempo, parte integrante da Igreja e do Estado, assumindo, portanto, cada um, plenamente e com toda a liberdade, a sua responsabilidade individual como cristão e como cidadão.

Para terminar: está satisfeito, depois destes quarenta anos de actividade? As experiências destes últimos anos, as modificações sociais, o Concílio Vaticano lI, etc. sugeriram-lhe algumas alterações de estrutura?

Satisfeito? Não posso deixar de o estar, quando vejo que, apesar das minhas misérias pessoais, o Senhor fez em torno desta Obra de Deus tantas coisas maravilhosas. Para um homem que vive da fé, a sua vida será sempre a história das misericórdias de Deus. Em alguns momentos, essa história talvez seja difícil de ler, porque tudo pode parecer inútil e até um fracasso; outras vezes, o Senhor deixa ver copiosos os frutos e então é natural que o coração transborde em acção de graças.

Uma das minhas maiores alegrias foi precisamente ver como o Concílio Vaticano II proclamou com grande clareza a vocação divina do laicado. Sem jactância alguma, devo dizer que, pelo que se refere ao nosso espírito, o Concílio não significou um convite a mudar, antes, pelo contrário, confirmou o que - pela graça de Deus - vínhamos vivendo e ensinando há muitos anos. A principal característica do Opus Dei não são determinadas técnicas ou métodos de apostolado, nem umas estruturas determinadas; é um espírito que leva precisamente a santificar o trabalho de cada dia.

Erros e misérias pessoais, repito, todos os temos. E todos devemos examinar-nos seriamente na presença de Deus e confrontar a nossa própria vida com o que o Senhor nos exige. Mas sem esquecer o mais importante: si scires donum Dei!… (Jn. 4, 10), se conhecesses o dom de Deus!, disse Jesus à Samaritana. E São Paulo acrescenta: levamos esse tesouro em vasos de barro, para que se reconheça, que a excelência do poder é de Deus e não nossa (11 Cor. 4, 7).

A humildade, o exame cristão, começa por reconhecer o dom de Deus. É algo bem diferente de encolher-se diante do curso que tomam os acontecimentos, da sensação de inferioridade ou de desalento perante a história. Na vida pessoal, e às vezes também na vida das associações ou das instituições, pode haver coisas a mudar, inclusivamente muitas; mas a atitude com que o cristão deve enfrentar esses problemas há-de ser, antes de mais, a de se admirar diante da magnitude das obras de Deus, comparadas com a pequenez humana.

O aggiornamento deve fazer-se, antes de mais na vida pessoal, para a pôr de acordo com essa velha novidade do Evangelho. Estar em dia significa identificar-se com Cristo, que não é um personagem que passou: Cristo vive e viverá sempre: ontem, hoje e pelos séculos (Heb. 13, 8).

Quanto ao Opus Dei considerado em conjunto, bem pode afirmar-se, sem nenhuma espécie de arrogância, com agradecimento â bondade de Deus, que nunca terá problemas de adaptação ao mundo: nunca se encontrará na necessidade de se pôr em dia. Deus Nosso Senhor pôs em dia a Obra de uma vez para sempre, dando-lhe essas características peculiares, laicais; e jamais terá necessidade de se adaptar ao mundo, porque todos os seus sócios são do mundo; não terá de ir atrás do progresso humano, porque são todos os sócios da Obra, juntamente com os demais homens que vivem no mundo, que fazem esse progresso com o seu trabalho quotidiano.

Continuando a tratar da vida familiar, queria agora centrar a minha pergunta na educação dos filhos e nas relações entre pais e filhos. A alteração da situação familiar em nossos dias leva, algumas vezes, a que não seja fácil o entendimento mútuo, e inclusivamente gera a incompreensão, dando-se aquilo a que se tem chamado conflito de gerações. Como se pode superar isto?

O problema é antigo, se bem que talvez agora se apresente com mais frequência ou de forma mais aguda, por causa da rápida evolução que caracteriza a sociedade actual. É perfeitamente compreensível e natural que os jovens e os adultos vejam as coisas de modo diferente. Sempre assim foi. O mais surpreendente seria que um adolescente pensasse da mesma maneira que uma pessoa madura. Todos sentimos impulsos de rebeldia para com os mais velhos quando começamos a formar o nosso critério com autonomia, e todos também, com o correr dos anos, compreendemos que os nossos pais tinham razão em muitas coisas, que eram fruto da sua experiência e do amor por nós. Por isso compete em primeiro lugar aos pais - que já passaram por esse transe - facilitar o entendimento, com flexibilidade, com espírito jovial, evitando esses possíveis conflitos com amor inteligente.

Aconselho sempre os pais que procurem tornar-se amigos dos filhos. Pode-se harmonizar perfeitamente a autoridade paterna, que a própria educação requer, com um sentimento de amizade que exige pôr-se de alguma maneira ao mesmo nível dos filhos. Os jovens - mesmo os que parecem mais indóceis e desprendidos - desejam sempre essa aproximação com os pais. O segredo costuma estar na confiança. Que os pais saibam educar num clima de familiaridade, que nunca dêem a impressão de que desconfiam, que dêem liberdade e que ensinem a administrá-la com responsabilidade pessoal. É preferível que se deixem enganar alguma vez. A confiança que se põe nos filhos faz com que eles próprios se envergonhem de terem abusado, e se corrijam. Pelo contrário, se não têm liberdade, se vêem que não se confia neles, sentir-se-ão levados a enganar sempre.

Essa amizade de que falo, esse saber pôr-se ao nível dos filhos facilitando-lhes que falem confiadamente dos seus pequenos problemas, torna possível algo que me parece de grande importância: que sejam os pais quem dê a conhecer aos filhos a origem da vida, de um modo gradual, adaptando-se à sua mentalidade e à sua capacidade de compreender, antecipando-se um pouco à sua natural curiosidade. É necessário evitar que os filhos rodeiem de malícia esta matéria, que aprendam uma coisa em si mesma nobre e santa por uma má confidência dum amigo ou duma amiga. Isto mesmo costuma ser um passo importante para firmar a amizade entre pais e filhos, impedindo uma separação exactamente no despertar da vida moral.

Por outro lado, os pais têm também de procurar manter o coração jovem, para que lhes seja mais fácil receber com simpatia as aspirações nobres e inclusivamente as extravagâncias dos filhos. A vida muda e há muitas coisas novas que talvez não nos agradem - é possível até que não sejam objectivamente melhores que outras de antes - mas que não são más, são simplesmente outros modos de viver sem transcendência de maior. Em não poucas ocasiões, os conflitos aparecem porque se dá importância a ninharias que se superam com um pouco de perspectiva e de sentido de humor.