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Há 12 pontos em «Amigos de Deus» cujo tema é Evangelho → ensinamentos, parábolas e alegorias.

Ao meditar as palavras de Nosso Senhor: Por amor deles santifico-me a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade, percebemos claramente o nosso único fim: a santificação, isto é, que temos de ser santos para santificar. Simultaneamente, como tentação subtil, talvez nos assalte o pensamento de que muito poucos estamos decididos a responder a esse convite divino, além de nos vermos como instrumentos de muito fraca categoria. É verdade, somos poucos, em comparação com o resto da humanidade e pessoalmente não valemos nada; mas a afirmação do Mestre ressoa com autoridade: o cristão é luz, sal, fermento do mundo e um pouco de fermento faz levedar toda a massa. Precisamente por isso, tenho pregado sempre que nos interessam todas as almas - as cem que há num cento - sem nenhuma espécie de discriminações, com a certeza de que Jesus Cristo nos redimiu a todos e quer servir-se de alguns de nós, apesar da nossa nulidade pessoal, para darmos a conhecer esta salvação.

Um discípulo de Jesus nunca trata ninguém mal; chama erro ao erro, mas deve corrigir com afecto o que erra: se não, não pode ajudá-lo, não pode santificá-lo. Temos que conviver, temos que compreender, temos que desculpar, temos que ser fraternos; e, como aconselhava S. João da Cruz, temos que pôr amor, onde não há amor, para tirar amor,sempre, mesmo nas circunstâncias aparentemente intranscendentes que o trabalho profissional e as relações familiares e sociais nos proporcionam. Portanto, tu e eu vamos aproveitar até as oportunidades mais banais que se apresentarem à nossa volta, para santificá-las, para nos santificarmos e para santificar os que compartilham connosco os mesmos afãs quotidianos, sentindo nas nossas vidas o peso doce e sugestivo da co-redenção.

Um burrico por trono

Recordemos de novo o Evangelho e olhemos o nosso modelo, Cristo Jesus.

Tiago e João, por intermédio de sua mãe, pediram a Cristo para se sentarem um à sua direita e outro à sua esquerda. Os outros discípulos indignam-se. E o que é que responde nosso Senhor? Quem quiser ser o maior, há-de ser vosso criado; e quem de entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Porque também o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a Sua vida para redenção de muitos.

Noutra ocasião, a caminho da Cafarnaúm, Jesus ia talvez - como noutras jornadas - à frente de todos. E quando já estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: de que vínheis vós discutindo pelo caminho? Eles, porém, calaram-se; porque no caminho tinham discutido entre si - uma vez mais - qual deles era o maior. Então, sentando-se, chamou os doze e disse-lhes: se alguém quer ser o primeiro, faça-se o último de todos e o servo de todos. E, tomando um menino, pô-lo no meio deles e, depois de o abraçar, disse-lhes: Todo o que receber um destes meninos em meu nome, a mim recebe, e todo o que me receber a mim, não só me recebe a mim, mas também àquele que me enviou .

Não vos encanta este modo de proceder de Jesus? Ensina-lhes a doutrina e, para que a entendam, dá-lhes um exemplo vivo. Chama um menino, daqueles que estariam a correr pela casa, e estreita-o contra o seu peito. Este silêncio eloquente de Nosso Senhor! Já disse tudo: Ele ama os que se fazem como meninos. Em seguida, acrescenta que o resultado desta simplicidade, desta humildade de espírito é poder abraçá-lo a Ele e ao Pai que está nos Céus.

Com esta perspectiva, convencei-vos de que, se desejamos deveras seguir o Senhor de perto e prestar um serviço autêntico a Deus e a toda a humanidade, temos de estar seriamente desprendidos de nós próprios: dos dons da inteligência, da saúde, da honra, das ambições nobres, dos triunfos, dos êxitos.

Refiro-me também - porque até aí deve chegar a tua decisão - a esses afãs limpos com que procuramos exclusivamente dar toda a glória a Deus e louvá-lo, ajustando a nossa vontade a esta norma clara e precisa: Senhor, quero isto ou aquilo só se te agrada a Ti, porque se não, a mim, que me interessa? Assestamos assim um golpe mortal no egoísmo e na vaidade que serpenteiam em todas as consciências. E conseguimos também a verdadeira paz para as nossas almas com um desprendimento que nos leva a possuir Deus, de forma cada vez mais íntima e mais intensa.

Para imitar Jesus, o coração tem de estar inteiramente livre de apegos. Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, encontrá-la-á. Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois perde a sua alma? E comenta S. Gregório: não nos bastaria viver desprendidos das coisas, se não renunciássemos também a nós próprios. Mas… aonde iremos fora de nós? Quem é o que renuncia, se a si mesmo se deixa?

Sabei que é diferente a nossa situação enquanto caídos pelo pecado e enquanto formados por Deus. Fomos criados de uma forma e encontramo-nos noutra diferente por causa de nós mesmos. Renunciemos a nós próprios, naquilo em que nos convertemos pelo pecado e mantenhamo-nos como fomos constituídos pela graça. Assim, se o que foi soberbo, convertendo-se a Cristo, se torna humilde, já renunciou a si mesmo; se um luxurioso se converte a uma vida continente, também renunciou a si próprio naquilo que era antes; se um avarento deixa de o ser e, em vez de se apoderar do alheio, começa a ser generoso com o que lhe pertence, certamente se negou a si próprio.

Pode-se dizer que Nosso Senhor, perante a missão recebida do Pai, vive o dia-a-dia, tal como aconselhava num dos ensinamentos mais sugestivos que saíram da sua boca divina: não vos preocupeis, quanto à vossa vida, com o que haveis de comer nem, quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir, pois a vida é mais que o alimento e o corpo mais que o vestuário. Reparai nos corvos: não semeiam nem colhem, não têm despensa nem celeiro, e Deus sustenta-os. Quanto mais valeis vós do que as aves!… Reparai nos lírios, como crescem! Não trabalham nem fiam. Pois eu digo-vos: nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé ?

Se vivêssemos mais confiados na Providência divina, seguros - com fé firme - desta protecção diária que nunca nos falta, quantas preocupações ou inquietações pouparíamos a nós próprios. Desapareceriam muitos desassossegos que, segundo palavras de Jesus, são próprios dos pagãos, dos homens do mundo, das pessoas que carecem de sentido sobrenatural. Quereria, em confidência de amigo, de sacerdote, de pai, trazer-vos à memória em cada circunstância, que nós, pela misericórdia de Deus, somos filhos desse Pai Nosso, todo-poderoso, que está nos Céus e, ao mesmo tempo, na intimidade dos nossos corações. Quereria gravar a fogo nas vossas mentes que temos todos os motivos para caminhar com optimismo nesta terra, com a alma bem desprendida dessas coisas que parecem imprescindíveis, pois bem sabe o vosso Pai que tendes necessidade delas. E Ele providenciará. Crede que só assim nos portaremos como senhores da Criação e evitaremos a triste escravidão em que tantos caem, porque esquecem a sua condição de filhos de Deus, preocupados com um amanhã ou um depois que talvez nem sequer cheguem a ver.

Se quereis actuar sempre como senhores de vós próprios, aconselho-vos a pordes um empenho muito grande em estar desprendidos de tudo, sem medo, sem temores nem receios. Depois, ao cuidar de cumprir as vossas obrigações pessoais, familiares…, empregai os meios terrenos honestos com rectidão, pensando no serviço a Deus, à Igreja, aos vossos, ao vosso trabalho profissional, ao vosso país, à humanidade inteira. Reparai que o importante não se concretiza na materialidade de possuir isto ou de carecer daquilo, mas sim em nos conduzirmos de acordo com a verdade que a nossa fé cristã nos ensina: os bens criados são apenas meios. Portanto, afastai a ilusão de considerá-los como algo definitivo: não acumuleis tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os corroem e os ladrões os desenterram e furtam. Acumulai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os corroem e onde os ladrões não os descobrem nem furtam. Pois onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração .

Quando alguém centra a sua felicidade exclusivamente nas coisas terrenas - fui testemunha de verdadeiras tragédias - perverte o seu uso razoável e destrói a ordem sabiamente disposta pelo Criador. O coração fica então triste e insatisfeito; mete-se por caminhos de um eterno descontentamento e acaba escravizado já na terra, vítima desses mesmos bens, que talvez tenham sido conseguidos à custa de renúncias e esforços sem conta. Mas, sobretudo, recomendo-vos que não esqueçais que Deus não cabe, não habita num coração enlameado por um amor desordenado, grosseiro, vão. Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. Prendamos, pois, o coração no amor capaz de nos fazer felizes… Desejemos os tesouros do céu.

Não te estou a induzir a um abandono no cumprimento dos teus deveres ou na exigência dos teus direitos. Pelo contrário, para cada um de nós, habitualmente, uma retirada nessa frente equivale a desertarmos cobardemente da luta para sermos santos, à qual Deus nos chamou. Por isso, com segurança de consciência, hás-de pôr empenho - especialmente no teu trabalho - para que nem a ti nem aos teus falte o conveniente para viver com dignidade cristã. Se em algum momento, experimentares na tua carne o peso da indigência, não te entristeças nem te revoltes; mas, insisto, procura empregar todos os recursos nobres para superar essa situação, porque actuar de outra maneira seria tentar a Deus. E enquanto lutas, lembra-te de que omnia in bonum!, tudo - também a escassez, a pobreza - coopera para o bem dos que amam o Senhor. Habitua-te, desde já, a enfrentar com alegria as pequenas limitações, as incomodidades, o frio, o calor, a privação de algo que consideras imprescindível, o facto de não poderes descansar quando e como queres, a fome, a solidão, a ingratidão, a incompreensão, a desonra…

O caminho do cristão

Que transparente se torna o ensinamento de Cristo! Como de costume, abramos o Novo testamento, desta vez no capítulo XI de S. Mateus: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração. Vês? Temos que aprender d'Ele, de Jesus, nosso único modelo. Se queres progredir, evitando tropeços e extravios, só tens que andar pelo caminho que Ele percorreu, pôr os teus pés nos sinais das suas pegadas, penetrar no seu Coração humilde e paciente, beber do manancial dos seus mandatos e afectos; numa palavra, tens de identificar-te com Jesus Cristo, tens de procurar converter-te verdadeiramente noutro Cristo entre os teus irmãos, os homens.

Para que ninguém se engane, vamos ler outra passagem de S. Mateus. No capítulo XVI, o Senhor é ainda mais preciso na sua doutrina: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. O caminho de Deus é de renúncia, de mortificação, de entrega, mas não de tristeza ou de apoucamento.

Revê o exemplo de Cristo, do presépio de Belém até ao trono do Calvário. Considera a sua abnegação, as suas privações: fome, sede, fadiga, calor, sono, maus tratos, incompreensões, lágrimas…; e a sua alegria por salvar a humanidade inteira. Gostaria que gravasses, agora, profundamente, na tua cabeça e no teu coração - para o meditares muitas vezes e o traduzires em consequências práticas - aquele resumo de S. Paulo, quando convidava os Efésios a seguir, sem vacilações, os passos do Senhor: Sede imitadores de Deus, visto que sois seus filhos muito queridos, e procedei com amor, tal como Cristo nos amou e se ofereceu a si mesmo a Deus, como oferenda e hóstia de odor suavíssimos.

Fixemos de novo o nosso olhar no Mestre. Talvez também escutes neste momento a censura dirigida a Tomé: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima também a tua mão e mete-a no meu lado, e não sejas incrédulo, mas fiel; e como ao Apóstolo, sairá da tua alma, com sincera contrição, aquele grito: Meu Senhor e meu Deus, reconheço-Te definitivamente como Mestre e, com o teu auxílio, vou guardar para sempre os teus ensinamentos e esforçar-me por segui-los com lealdade.

Antes, noutras páginas do Evangelho, revivemos o episódio em que Jesus se retira para fazer oração, estando próximos os discípulos, provavelmente a contemplá-lo. Quando terminou, um decidiu-se a pedir-lhe: Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou os seus discípulos. E Jesus respondeu-lhes: quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome.

Notai como é surpreendente a resposta: os discípulos convivem com Jesus Cristo e, no meio das suas conversas, o Senhor diz-lhes como hão-de rezar; revela-lhes o grande segredo da misericórdia divina: que somos filhos de Deus e que podemos falar confiadamente com Ele, como um filho conversa com o pai.

Quando vejo como algumas pessoas entendem a vida de piedade, o convívio de um cristão com o seu Senhor, e dela me apresentam uma imagem desagradável, teórica, feita de fórmulas, repleta de lengalengas sem alma, que mais favorecem o anonimato do que a conversa pessoal, de tu a tu, com o nosso Pai Deus - a autêntica oração vocal nunca admite o anonimato - recordo aquele conselho do Senhor: nas vossas orações, não useis muitas palavras, como os gentios, os quais julgam que serão ouvidos à força de palavras. Não os imiteis, porque o Vosso Pai sabe o que vos é necessário antes de que vós lho peçais. E comenta um Padre da Igreja: penso que Cristo manda que evitemos as orações longas; longas, porém, não quanto ao tempo, mas quanto à multiplicidade interminável de palavras… O próprio Senhor nos deu o exemplo da viúva que, à força de súplicas, venceu a renitência do juiz iníquo; e o daquele importuno que chegou a desoras, à noite, e pela sua teimosia, mais do que pela amizade, conseguiu que o amigo se levantasse da cama (cfr. Lc XI, 5-8; XVIII, 1-8). Com esses dois exemplos manda-nos que peçamos constantemente, não compondo orações intermináveis, mas antes contando-lhe com simplicidade as nossas necessidades.

De qualquer modo, se ao iniciar a vossa meditação não conseguis concentrar a atenção para conversar com Deus, se vos sentis secos e a cabeça parece que não é capaz de ter sequer uma ideia ou se os vossos afectos permanecem insensíveis, aconselho-vos o que tenho procurado praticar sempre nessas circunstâncias: ponde-vos na presença do vosso Pai e dizei-Lhe pelo menos: "Senhor, não sei rezar, não me lembro de nada para Te contar!"… e estai certos de que nesse mesmo instante começastes a fazer oração.

Misturai-vos com frequência entre os personagens do Novo Testamento. Saboreai aquelas cenas comovedoras em que o Mestre actua com gestos divinos e humanos ou relata, com frases humanas e divinas, a história sublime do perdão e do seu contínuo Amor pelos seus filhos. Esses reflexos do Céu renovam-se também agora na perenidade actual do Evangelho: palpa-se, nota-se, pode-se afirmar que se toca com as mãos a protecção divina; um amparo que adquire vigor, quando prosseguimos apesar dos tropeções, quando começamos e recomeçamos, pois isto é a vida interior vivida com a esperança em Deus.

Sem este empenho em superar os obstáculos de dentro e de fora, não nos será concedido o prémio. Nenhum atleta será premiado, se não lutar verdadeiramente, e não seria autêntico o combate se faltasse o adversário com quem pelejar. Portanto, se não houver adversário, não haverá coroa; pois não pode haver vencedor, onde não há vencido.

Longe de nos desalentarem, as contrariedades hão-de ser um acicate para crescermos como cristãos; nessa luta nos santificamos e o nosso trabalho apostólico adquire maior eficácia. Ao meditar nos momentos em que Jesus Cristo - no Horto das Oliveiras e, mais tarde, no abandono e ludíbrio da Cruz - aceita e ama a Vontade do Pai, enquanto sente o peso gigantesco da Paixão, temos de nos persuadir de que para imitar Cristo, para ser bons discípulos d'Ele, é preciso que sigamos o seu conselho: se alguém quer vir atrás de mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Por isso, gosto de pedir a Jesus para mim: Senhor, nenhum dia sem cruz! Assim, com a graça divina, se reforçará o nosso carácter e serviremos de apoio ao nosso Deus, superando as nossas misérias pessoais.

Compreende bem isto: se ao cravar um prego na parede, não encontrasses resistência, que poderias pendurar dele? Se não nos robustecermos, com o auxílio divino, por meio do sacrifício, não alcançaremos a condição de instrumentos do Senhor. Pelo contrário, se nos decidirmos a aproveitar com alegria as contrariedades, por amor de Deus, ao enfrentar o que é difícil e desagradável, o que é duro e incómodo, não nos custará exclamar com os Apóstolos Tiago e João: Podemos!.

Misturado com a multidão, um daqueles peritos que já não conseguiam discernir os ensinamentos revelados a Moisés, ensinamentos emaranhados por eles próprios numa casuística estéril, faz uma pergunta ao Senhor. Abre Jesus os seus lábios divinos para falar àquele doutor da Lei e responde-lhe pausadamente, com a firme certeza de quem tem disso viva experiência: amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu espírito. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos. O segundo é semelhante a este: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Nestes dois mandamentos estão contidos toda a Lei e os profetas.

Vede agora o mestre reunido com os seus discípulos na intimidade do Cenáculo. Ao aproximar-se o momento da sua Paixão, o Coração de Cristo, rodeado por aqueles que ama, abre-se em inefáveis labaredas: dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros e que, do mesmo modo que eu vos amei, vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.

Para vos aproximardes do Senhor através das páginas do Santo Evangelho, recomendo sempre que vos esforceis por participar em cada cena como um personagem mais. Assim - conheço tantas almas normais e correntes que o fazem! - recolher-vos-eis como Maria, suspensa das palavras de Jesus, ou, como Marta, atrever-vos-eis a manifestar-lhe sinceramente as vossas inquietações, mesmo as mais pequenas .

Manifestações do amor

Agrada-me citar umas palavras que o Espírito Santo nos comunica pela boca do profeta Isaías: discite benefacere, aprendei a fazer o bem. Costumo aplicar este conselho aos diferentes aspectos da nossa luta interior, pois a vida cristã nunca se dá por terminada, visto que o crescimento nas virtudes se obtém como consequência de um empenho efectivo e quotidiano pela santidade.

Como aprendemos nós a realizar qualquer trabalho na sociedade? Primeiro examinamos o fim desejado e os meios para o alcançar. Depois perseveramos no uso desses recursos repetidamente até criarmos um hábito arraigado e firme. Quando aprendemos alguma coisa, descobrimos outras que ignorávamos e constituem um estímulo para continuarmos esse trabalho, sem nunca dizermos "basta".

A caridade para com o próximo é uma manifestação do amor a Deus. Por isso, ao esforçarmo-nos por melhorar nesta virtude, não podemos fixar nenhum limite. Com o Senhor, a única medida é amar sem medida, pois, por um lado jamais chegaremos a agradecer suficientemente o que Ele tem feito por nós e, por outro, assim se revela o mesmo amor de Deus às suas criaturas: com excesso, sem cálculo, sem fronteiras.

A todos os que estamos dispostos a abrir-lhe os ouvidos da alma, Jesus Cristo ensina no Sermão da Montanha o mandato divino da caridade. E, ao terminar, como resumo, explica: amai os vossos inimigos, fazei bem e emprestai sem esperardes nada em troca, e será grande a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom, mesmo com os ingratos e os maus. Sede, pois, misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso.

A misericórdia não se limita a uma simples atitude de compaixão; a misericórdia identifica-se com a superabundância da caridade que, ao mesmo tempo, traz consigo a superabundância da justiça. Misericórdia significa manter o coração em carne viva, humana e divinamente repassado por um amor rijo, sacrificado e generoso. Assim glosa S. Paulo a caridade no seu canto a esta virtude: A caridade é paciente, é benéfica; a caridade não é invejosa, não actua precipitadamente; não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não pensa mal dos outros, não folga com a injustiça, mas compraz-se na verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre.

Para orientar a oração, costumo - talvez isto possa ajudar algum de vós - materializar até o que há de mais espiritual. Nosso Senhor utilizava este processo. Gostava de ensinar por parábolas, tiradas do ambiente que o rodeava: do pastor e das ovelhas, da vide e dos sarmentos, de barcos e redes, da semente que o semeador lança às mãos cheias…

Na nossa alma caiu a Palavra de Deus. Que tipo de terra é a que lhe preparámos? Abundam as pedras? Está cheia de espinhos? É talvez um lugar demasiadamente calcado por pegadas meramente humanas, mesquinhas, sem brio? Senhor, que a minha parcela seja terra boa, fértil, exposta generosamente à chuva e ao sol; que a tua semente pegue; que produza espigas gradas, trigo bom.

Eu sou a videira, vós os sarmentos Chegou Setembro e as cepas estão carregadas de vergônteas longas, finas, flexíveis e nodosas, abarrotadas de fruto, prontas já para a vindima. Reparai nesses sarmentos repletos, porque participam da seiva do tronco. Só assim aqueles minúsculos rebentos de alguns meses atrás puderam converter-se em polpa doce e madura, que encherá de alegria a vista e o coração das pessoas. No solo ficam talvez algumas varas toscas, soltas, meias enterradas. Eram sarmentos também, mas secos, estiolados. São o símbolo mais gráfico da esterilidade. Porque, sem mim, nada podeis fazer.

O tesouro. Imaginai a alegria imensa do afortunado que o encontra. Acabaram os apertos, as angústias. Vende tudo o que possui e compra aquele campo. Todo o seu coração pulsa aí: onde esconde a sua riqueza. O nosso tesouro é Cristo; não nos deve importar o facto de deitarmos pela borda fora tudo o que for estorvo, para o poder seguir. E a barca, sem esse lastro inútil, navegará directamente para o porto seguro do Amor de Deus.