73

*Homilia pronunciada em 4 de Abril de 1971, Domingo de Ramos

Como toda a festa cristã, esta que agora celebramos é especialmente uma festa de paz. Os ramos, com o seu antigo simbolismo, evocam aquela cena do Génesis: depois de ter esperado outros sete dias, novamente deitou a pomba fora da arca. E ela voltou a ele pela tarde trazendo no bico um ramo de oliveira com folhas verdes. Entendeu, pois, Noé que as águas tinham cessado sobre a terra. Agora recordamos que a aliança entre Deus e o seu povo é confirmada e estabelecida em Cristo, porque Ele é a nossa paz. Nessa maravilhosa unidade e recapitulação do velho no novo, que caracteriza a liturgia da nossa Santa Igreja Católica, lemos no dia de hoje estas palavras de profunda alegria: os filhos dos hebreus, levando ramos de oliveira, saíram ao encontro do Senhor, aclamando e dizendo: glória nas alturas.

A aclamação a Jesus Cristo une-se, na nossa alma, com aquela que saudou o seu nascimento em Belém. E, à sua passagem, conta-nos S. Lucas, as multidões estendiam os seus mantos no caminho. E, quando já ia chegando à descida do monte das Oliveiras, toda a multidão dos seus discípulos começou alegremente a louvar a Deus em altas vozes por todas as maravilhas que tinham visto, dizendo: Bendito o Rei que vem em nome do Senhor. Paz no Céu e glória nas alturas.

Paz na terra

Pax in coelo, paz no céu. Mas olhemos também o mundo: porque é que não há paz na terra? Não, não há paz. Há somente aparências de paz, equilíbrio de medo, compromissos precários. Nem sequer há paz na Igreja, sulcada por tensões que retalham a branca túnica da Esposa de Cristo. Não há paz em muitos corações que tentam em vão compensar a intranquilidade da alma com a distracção contínua, com a pequena satisfação dos bens que não saciam, porque deixam sempre o travo amargo da tristeza.

As folhas de palma, escreve Santo Agostinho, são o símbolo da homenagem, porque significam vitória. O Senhor estava a momentos da vitória, morrendo na Cruz. Ia triunfar, no sinal da Cruz, sobre o Diabo, príncipe da morte. Cristo é a nossa paz porque venceu; e venceu porque lutou, no duro combate contra a maldade acumulada pelos corações humanos.

Cristo, que é a nossa paz, é também o Caminho. Se queremos a paz, temos de seguir os seus passos. A paz é consequência da guerra, da luta, dessa luta ascética, íntima, que cada cristão deve sustentar contra tudo aquilo que, na sua vida, não é de Deus: contra a soberba, a sensualidade, o egoísmo, a superficialidade, a estreiteza do coração. É inútil clamar pelo sossego exterior se falta tranquilidade nas consciências, no fundo da alma, porque é do coração que saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfémias.

Este ponto noutra língua