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A concupiscência da carne não é só a tendência desordenada dos sentidos em geral nem a apetência sexual, que deve ser ordenada, mas que não é má em si mesma, pois é uma nobre realidade humana santificável. Por isso, nunca falo de impureza mas de pureza, porque a todos se dirigem as palavras de Cristo: bem-aventurados os limpos de coração porque verão a Deus. Por vocação divina, alguns terão de viver essa pureza no matrimónio; outros, pelo contrário, renunciarão aos amores humanos, para corresponderem única e apaixonadamente ao amor de Deus. Nem uns nem outros devem ser escravos da sensualidade, mas senhores do seu corpo e do seu coração para os poderem dar sacrificadamente aos demais.

Ao tratar da virtude da pureza, costumo acrescentar o qualificativo de santa. A pureza cristã, a santa pureza, não é o orgulho de sentir-se puro, não contaminado; é saber que temos os pés de barro, embora a graça de Deus nos livre dia a dia das ciladas do inimigo. Considero uma deformação do cristianismo a insistência de algumas pessoas em escrever ou pregar quase exclusivamente sobre esta matéria, esquecendo outras virtudes que são capitais para o cristão e, em geral, para a convivência entre os homens.

A santa pureza não é a única nem a principal virtude cristã; contudo, é indispensável para perseverar no esforço diário da nossa santificação e sem ela não é possível dedicar-se ao apostolado. A pureza é consequência do amor com que entregámos ao Senhor a alma e o corpo, as potências e os sentidos. Não é uma negação; é uma alegre afirmação.

Dizia que a concupiscência da carne não se reduz exclusivamente à desordem da sensualidade; também se traduz no comodismo, na falta de vibração que incita a procurar o que é mais fácil, o mais agradável, o caminho aparentemente mais curto, por vezes à custa de ceder na fidelidade a Deus.

Comportar-se assim seria como abandonar-se ao império duma daquelas leis - a do pecado - contra as quais nos previne S. Paulo: Eu encontro, pois, esta lei em mim: quando quero fazer o bem, o mal está junto de mim; porque me deleito na lei de Deus, segundo o homem interior; mas vejo nos meus membros outra lei que se opõe à lei do meu espírito e que me faz escravo da lei do pecado, que está nos meus membros. Infelix ego homo! Infeliz de mim! Quem me livrará deste corpo de morte? Ouvi o que responde o apóstolo: a graça de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor. Podemos e devemos lutar contra a concupiscência da carne, porque, se formos humildes, sempre nos será concedida a graça do Senhor.

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